sábado, 21 de março de 2009

¨QUALQUER FORMA DE AMOR VALE A PENA¨

Apesar de adorar cinema, de vez em quando cometo verdadeiros sacrilégios e algumas omissões imperdoáveis, deixando de assistir a filmes, cujos temas, além de polêmicos interessam a mim, pessoalmente, e a toda a humanidade, sedenta de temas relevantes e atemporais.

Confesso que, somente numa recente e preguiçosa noite de sábado, assisti, na minha cama, “O Segredo de Brocbeck Mountein”. Uma história de amor como outra qualquer. As personagens, tanto poderiam ser um homem e uma mulher, como dois homens ou duas mulheres.

Este detalhe, no momento, é o que menos importa, numa primeira e superficial análise, embora o fato de a história girar em torno de um amor homossexual tenha me levado a reflexões e motivado a escrever este texto.

Toda história de amor, independente das personagens que a protagonizam, continua sendo uma história de amor. Se provocar alguns "estragos" quando oficializada como tal, mais interessante e atraente fica. Para quem a vê de longe, claro. Para quem a vivencia, é um inferno vivido no Paraíso. Esta, especificamente, tanto serviu para um bom roteiro de um filme como pode e é vivida na vida "vivida".

Não a percebendo sob sua nuance mais polêmica, que seria o relacionamento amoroso entre duas pessoas do mesmo sexo, é igualzinha, repito, a todas as histórias de amor. Encontros casuais, nenhuma intenção, circunstâncias adversas ou propícias que se aliam e se acumpliciam, muitas impossibilidades, algumas probabilidades, e um encontro ou um desencontro acontecem.

No final do filme, como em alguns finais de vidas, os desencontros, frequentemente, acontecem por nada, só pelo medo de tentar, pelas inferências que fazemos das reações alheias, baseadas nos nossos próprios conceitos e preconceitos. É a não realização de uma história, que faz com que muitas vidas se percam em milhares de vazios, de solidões, de dúvidas, de despedidas, de palavras não ditas, abraços não dados, beijos que ficaram presos nas bocas e aprisionados nas vontades, quando reconhecidas, esmagadas pelas circunstâncias.

Na contramão da linha, cada dia mais atual, "que qualquer forma de amor vale a pena", saímos por aí jogando para o alto sentimentos fortes e afetos que preenchem. Um desperdício, num mundo onde o amor contamina-se com conteúdos cada vez mais estranhos à sua verdadeira natureza O homem perde o que tem de mais precioso que é o seu "agora", projetando para um futuro incerto, impalpável, abstrato e improvável, uma possível felicidade. Troca tudo pela certeza e pela segurança granítica da infelicidade cotidiana. Vivem vidas de ficção, como personagens que mal se reconhecem, recitando roteiros que nem ao menos leram ou se perguntaram se era mesmo esse o texto que queriam recitar.

Atordoados, se deparam com o vácuo dos espaços não preenchidos de tudo que não foi vivido, por covardia e por comodismo.

É tão difícil encontrar alguém em quem possamos confiar e cujos interesses coincidam com os nossos, a ponto de impregnarem-se de conteúdos que fundamentem uma amizade! Mesmo assim, acrescentamos a esta recém nascida relação, parâmetros e valores que, se não são nossos, os adotamos como se o fossem. O que, muitas vezes, transformam em natimorto, sentimentos que poderiam aprofundar-se e transformarem-se em amor.

Se as diferenças são de classe social ou de raça, a cartilha do “politicamente correto” encarrega-se de colocar os mantos da mentira sobre elas. Todos fazem de conta que aceitam afinal, ninguém quer parecer preconceituoso. Se a relação for homossexual, caem todas as máscaras e vêem à tona toda espécie de intolerância e preconceitos, ancoradas na posição pétrea das Igrejas, na intransigência burra do Estado que não reconhece a relação como oficial, preferindo crianças em orfanatos ou nas ruas, que adotadas por casais do mesmo sexo, agravando um dos mais tristes aspectos da crise social.

O mais estarrecedor são os conflitos e a auto exclusão que as personagens envolvidas se impõem, impregnadas que estão, pelos condicionamentos de uma sociedade que está longe de ser plural e tolerante com tudo que foge ao que é posto como "normal." Em geral são pessoas conflituadas, carregadas de culpas desnecessárias,.Os mais arejados e corajosos, "tratam" seu direito como doença no divã dos analistas, que os ajudam a carregarem o "fardo" de sentirem -se diferentes.

O que poderia ser uma história de amor como outra qualquer, teimo em repetir, com os ingredientes de todas as histórias de amor, transforma-se num drama de seres humanos emparedados pelas poucas opções que a vida lhes impõem: ou marginalizam-se ou desistem de viver sua verdade, optando pelo nada, pela solidão. No caso do filme, uma deles morre sem ter se dado a chance de viver a própria vida.

Estamos em pleno século XXI e ainda nos assombram espectros do passado, impedindo ao mundo agonizante e povoado por indivíduos insatisfeitos que deixem aflorar, junto com suas verdadeiras identidades, seus sentimentos. Ainda é negado ao homem o inalienável direito de escrever sua própria história! Nem sei se caberia um debate a respeito do tema. Afinal, debater o que? Um direito? Como e com quem alguém deveria relacionar-se?! A quem "deveria" amar?!

Se a relação é estável, por que não reconhecê-la como tal? Seria um retrocesso! Afinal, até onde eu sei, as Leis, num Estado de Direito, existem, também, para proteger e garantir os direitos individuais dos cidadãos.

O que vivemos é a antítese do que chamamos Liberdade e a negação do que poderíamos chamar de Modernidade.

Alice Rossini

5 comentários:

Anônimo disse...

é minha cara. sinal dos tempos refletido neste belo filme. a história de amor contida em brocbeck mountein é tão verdadeira quanto qualquer outra história contada em qualquer outro filme. a amizade, o respeito, o carinho, a admiração e o amor mostrado neste filme deixa muito casal hétero com uma inveja que dá dó.
sinal dos tempos,minha cara.

Anônimo disse...

Alice,sei que ninguem quer pra si ou para alguem que ame, uma crise de identidade,principalmente de natureza sexual. Mas se existe, devemos enfrentá-la com coragem e respeito as opções individuais de cada um. Muito corajoso seu texto. Parabens! Infelizmente, por razões que voce tão bem expôs, não poderei me identificar. Ainda não chegamos la...

Anônimo disse...

Acho lindo o filme o Segredo de Borkback Mountein. Fui assistir na primera semana. Confesso que tive que mudar meus conceitos. Não que eu tivesse preconceitos em relação a homo. Mas mudei minha visão sobre o amor entre dois homens que eu achava difícil de acontecer, mesmo que fosse em um filme.
Sempre achei que fossem relações menos estáveis, mais sexo, menos afeto e até mesmo promíscuas.
O filme mostra com delicadeza a relação de amor entre dois homens comuns. Existe o carinho, a saudade, o ciúme...muito lindo!
Lindo o que voce escreveu, me deu vontade de asistir de novo!
beijos

Ana Clara disse...

Perfeito. Eu gosto muito das suas reflexões sobre o amor.

Quando assisti esse filme, há alguns anos, eu escrevi no meu antigo blog um breve texto, que citava algumas coisas que você também cita no seu. É incrível como a imagem de dois caubóis, homens simples, comuns, nos choca a princípio. Mas é uma história de amor como todas as outras. Sincera. Carinhosa. Com direito a ciúme, a saudade, ao zelo.

O filme nos questiona exatamente o que afirmamos (ou não afirmamos, por medo do "politicamente correto"): duas pessoas do mesmo sexo não podem se amar. Não existe amor de verdade, apenas sexo, promiscuidade.

Torci pra eles ficarem juntos, como torço para os casais heterossexuais dos romances convencionais, chorei junto com eles, e saí do cinema acreditando, sim, que é possível "toda forma de amor". Mas só aquela que nós vivemos com intensidade, com sinceridade e HOJE.

Beijos,

Ninha.

Ricardo Barreto disse...

Alice


Muito bom poder falar de amor com a liberdade que o próprio tema propõe...parece-me que amor é um tema para os corajosos mesmo.E,até por isso, é hora de constranger uma coletividade ingênua e burra que insiste em se sentir "normal" com suas certezas e medos.