quarta-feira, 25 de março de 2009

Fome

Por todas as evidências e por todos os ângulos que olhemos, o mal do século é a Fome. Da fome do pão, vivenciada tanto por paises pobres quanto por paises ricos, à fome de fé e de esperança; a fome do homem pelo homem.

A revolução midiática tornou impossível o desconhecimento de que milhões de seres humanos morrem, por segundo, vitimados pela fome de pão em todas as partes do Planeta. Principalmente na África, é chocante e desumana a visão de homens, mulheres e crianças famélicas, cujo sofrimento, fez-nos acreditar num problema insolúvel. Parece-me que a humanidade já convive, comodamente, com esta tragédia, embora governos, conferências, encontros e várias organizações se esforcem em mostrarem-se indignadas com tamanha iniquidade.

Vivemos num pais emergente, mas, a pobreza continua entrando pela janela dos nossos carros e invadindo nossas casas. Mesmo que fechemos nosso olhar interno, poupando nossas retinas da claridade que nos propociona o sentido da visão, sabemos que pessoas desnutridas morrem, aos milhares.

Meu universo pessoal não é, predominantemente, povoado por famintos desta natureza. Portanto, a fome que me vitima, é de outra natureza, é a fome do "outro".

Quando refletimos sobre a Fome, nem sempre imaginamos as infinitas dimensões que esta palavra ou esta sensação pode assumir. Porque, ou falamos da nossa própria fome, cujos conteúdos são vários, ou falamos da fome alheia, cuja gravidade assume proporções tão graves e complexas, que é dificil avaliar sua gravidade.

Inserida no contexto da modernidade, sou obrigada a frequentar shoppings centers embora deteste-os. Só entro num deles quando tenho um importante ou inadiável motivo. Dentro daquela caixa de consumo, passo por centenas de pessoas e são poucos os olhares que se encontram com o meu. Isto, acreditem, provoca-me uma fome terrivel!

Fome de ver e ser vista, de quem sabe, ser alvo de um olhar mais aprofundado ou mais atento. Ser alvo de um sorriso timido ou escancarado, nem que venha acompanhado de um pedido de desculpas, de um pedido de licença ou de uma solicitação de informação. Mas, nada! Saio de lá, empurrada pela solidão e com a alma faminta!

Faço questão de, na maioria das vezes, ir sozinha. A pessoa que estaria ao meu lado, ao falar-me ou olhar-me, tornaria a indiferença alheia mais evidente.

Tanto as necessidades do pão quanto os vazios existenciais que nos consomem são, os dois, provocados pela indiferença do homem pelo homem.

Pela qualidade de ser onipresente, a fome apresenta-se de infinitas maneiras: ouvindo a música que nos remeta a um momento que queremos esquecer ou que jamais esqueceremos. Acordando e nada vermos ao nosso lado ou à nossa frente, somente uma longa e solitária estrada sem destino definido. Pode ainda apresentar-se quando olhamos nossa cama onde, ainda que existam dois travesseiros e a outra cabeça finja estar presente, sentimos que sonha longe dali. Quando olhamos nossa despensa vazia a fome orgânica alia-se à fome de não ter feito nada para torná-la farta. Esta dói, até fisicamente.

Sentir fome, saciá-la ou não, é inerente à condição humana, "conseguirás o pão,com o suor do teu rosto..." Nascemos famintos e logo seios fartos e braços calorosos preenchem nossos vazios. O que é vital no nascer, vai perdendo força e importância ao viver. Logo adquirimos a condiçao de saciar nossa fome fisiológica.

Entretanto, nas alegrias não compartilhadas, nas tristezas não compreendidas, nas lágrimas que escorrem das injustiças e das perdas, dos sonhos não realizados, dos pesadelos que se tornaram realidade, das expectativas revertidas, dos desencontros ou dos encontros abortados pelas decepções. Das desistências necessárias e, principalmente, das imaginárias e desnecessárias, existe uma Fome. Esta, imposta pelas nossas escolhas, nasce do mal uso que fazemos do privilégio de viver e da negação da nossa intrínseca vocação pela liberdade.


Hoje, ricos, pobres, crentes, céticos, letrados, ignorantes, ocidentais, orientais, a humanidade inteira, anda a ermo no deserto inóspito e faminto de cuidados que o Planeta está se tornando, procurando um prato: ou cheio do trigo que se transforme em pão ou repleto de sentidos que não matem nossa fome de viver.

ALICE ROSSINI

3 comentários:

Anônimo disse...

Também tenho esta sensação de ser ninguem quando estou em lugares públicos. É horrivel a sensação de exclusão!!!
Seu texto reflete os sentimentos que muita gente sente e nem identifica

Vitória Régia disse...

Alice, voce fala da solidão a partir de uma das suas maiores causas, que é o mal uso da modernidade. Quando estamos num SHOPPING, só passa pela maioria das cabeças das pessoas o desejo e a necessidade de consumir. Jamais imaginam que aquele conforto de estarem protegidas dentro de um mesmo ambiente pode ser também uma oportunidade de um encontro com outras pessoas
Parabens, mais uma vez adorei!

Ricardo Barreto disse...

Alice

FOME! FALTA! SOLIDÃO! VAZIO!... temas assustadores e tão presentes no nosso cotidiano. Como não reconhecê-los! Como não tomá-los como companheiros íntimos! Como não enxergar o óbvio??????