domingo, 15 de março de 2009

PALAVRAS PARA MEU PAI


O que eu poderia falar que meu pai já não tenha ouvido ou não saiba?

Das más criações ás declarações de amor, a ter-lhe dado a certeza que ele fez quase (ninguém consegue 100%) tudo certo, de que tudo que ele projetou pra mim e eu não consegui corresponder, ou por teimosia ou por equivoco, eu já o isentei de qualquer culpa, responsabilizando-me pelas minhas escolhas?

Ele que sempre foi um homem a frente do seu tempo e nunca me impôs limites de crescer e aprender, sempre me fez crer que a única coisa da qual jamais poderia duvidar, era seu amor por mim. Mesmo quando a rebeldia nos colocava em posições opostas. Nunca meu pai me deu razões para que não me sentisse aceita, sempre passando até por cima de suas convicções, deu-me todo seu apoio e a certeza de que, fosse quem fosse, sentiria smepre orgulho em ser meu pai.

Aliás, este é o verdadeiro amor paterno, que não cobra e gosta, “apesar de”.

Hoje, quando nós, até mais que ele, comemoramos seus 83 anos, procuro uma forma pra dizer-lhe que nada mudou. Desde que nasci, continuo dependente do seu amor e da sua proteção.

Vem-me então à cabeça, uma questão, que encontro respostas na sua vida. O que podemos fazer da Velhice, da minha, da sua, da nossa? Enquanto vivermos é para ela que caminhamos!

Pois bem, meu pai dedicou sua velhice à Arte, nos ensinado que a maturidade propociona, para quem preparou seu chão e o semeou, frutos que alimentam a alma e dão sentido à vida. Meu pai é um poeta. No seu computador estão armazenados, pelo menos, 15 000 versos feitos de palavras que escorregam pelos seus dedos, vindos da sua convivência com a vida, dos ecos do seu passado e de seus sonhos de futuro.
Futuro que, como pai, sonha para seus netos, seus filhos, seu mundo. O mundo de todos. Suas mãos de artista também são capazes de construir peças em mosaico, tal qual uma delicada colcha de retalhos, onde perpetua imagens oníricas de um Cristo/Deus, sua busca constante e pessoas que ama. Conseguiu “refazer” meu irmão com pedacinhos de azulejos por ele mesmo quebrado (quem mais poderia fazê-lo?) e perpetuou-se em poesia feita com seixos rolados na parede de nossa casa de praia. Meu pai, aos 83 anos, ainda faz poesias e amor para o amor de sua vida, minha mãe.

Numa pessoa como esta, a velhice só é e percebida pela crueldade das doenças próprias da idade e pela fragilidade física, tão discrepante com a robustez do seu espírito.

Não quero transformar este BLOG em algo tão pessoal a ponto de, a cada aniversário de uma pessoa amada, fazer uma homenagem. Mas a vida de meu pai é um exemplo e me remete a um problema que, repito, todos nós enfrentaremos e alguns já o fazem. A Velhice pode ser cruel, pela nossa teimosia em não aceitar que a vida é feita de ciclos que começam e se completam: ou com amargura e solidão ou de forma produtiva e bela, apesar de tudo.

Mas com meus pais, acreditem, é diferente. Eles são tão lúcidos, seus espíritos tão hígidos e suas autoridades moral tão inabalável, que conseguem transcender todas as marcas do tempo deixadas pela intensidade com que viveram suas vidas. Para nós o tempo quase parou.. Ainda somos seus meninos e ainda dependemos da existência e da fortaleza do amor que nos fazem alvo

Os cabelos brancos do meu pai, seu andar agora lento e claudicante não me faz esquecer a menininha de tranças que fui um dia. Ainda me vejo com aquela farda azul de anaruga, a merendeira rosa cheia de guloseimas, de mãos dadas com aquele homem que, mesmo de tenro de linho branco, fingia ser passarinho, que se aninhava árvore que encontrávamos no nosso caminho para minha escola, sempre com a mesma e esperada pergunta,me saudava: "Alice Maria, como vai voce?"

Foi assim que meu pai me ensinou a amar.

Alice Rossini

2 comentários:

Anônimo disse...

Ao ler o seu texto - PALAVRAS PARA MEU PAI, lembrei-me de uma frase de Saramago, que sempre achei tão verdadeira... - “Um e-mail nunca pode ser manchado por uma lágrima”.

Após a leitura, mesmo que minhas lágrimas não tivessem manchado a telinha do meu note... Elas molharam a minha face.

Lindo o texto, pois suas palavras realmente fizeram um passeio na nossa história de vida. Colorindo com as diversas cores e tons tudo que vivemos. Hoje você desvela suas percepções e seus sentimentos de forma tão madura, sem perder a “emoção”.

Irmã amei!
Um círculo na fronte,
Bel

Igor Palhares disse...

Isto tudo foi realmente tocante, passou uma boa essência.