domingo, 29 de março de 2009

POR TRAZ DOS MÚSCULOS

Da esteira da academia que frequento, independente da velocidade com que minhas pernas estejam me levando a um lugar chamado Nenhum, alterno-me entre dois momentos, introspecção ou contemplação.

No primeiro, mergulho nos meandros da minha vida, enquanto resolvo ou “crio” mais problemas. Faço uma avaliação pessoal sobre as tragédias que afligem a humanidade. Visito e re-vivo meus afetos e, a depender do dia ou das circunstâncias, tudo isto assume proporções nanicas ou gigantescas.

No segundo momento, tento entrar nos “mundos’ representados pelas dezenas de pessoas que passam diante de mim. Suadas e exaustas, respirações aceleradas, tentando enxugar o suor que escorre do seu cansaço, em busca de algo que, a primeira vista, parece ser a perfeição física. Procuro vê-las, não como se estivessem ali, todas, pelos mesmos motivos, buscando as mesmas coisas. Vejo-as como indivíduos, tão diferentes quão diferenciados são os olhares que cada uma delas me instiga a enxergá-las

Ao contrário dos espaços destinados a prática da Yoga, aonde a consciência corporal vem de dentro para fora, todas as academias de musculação são revestidas de espelhos. Certamente, quem as concebeu já imaginava quantos “narcisos” seriam ali desmascarados, além de atender à necessidade de posturas serem acompanhadas e corrigidas a partir dos seus reflexos, motivadas pelos pesos de halteres, anilhas ou pela mecânica dos aparelhos.

Alguma coisa de bom, de edificante ou de destruidor, pode acontecer numa academia de musculação. Culpa dos espelhos? Eles falam menos do que imaginamos e, exatamente, o que devemos, embora não queiramos, ver e ouvir. São sinceros! Implacáveis ou enganadores são os olhos que os questionam.

Pessoalmente, acho que todas as pessoas deveriam fazer alguma atividade física que lhes desse prazer. Sem prazer, qualquer atividade é penosa e sacrificante e os resultados, com certeza, serão o inverso do seu objetivo.

Quando é reconhecida como algo necessário, conseguimos enxergar na carreira do Educador Físico muita dignidade e um profissional que tem necessidade de, a cada dia, atualizar seus conhecimentos, pois tudo que se refere à fisiologia, modifica o conceito de “certo” e o “errado” , assim como a forma que o corpo humano reage aos estímulos a ele impostos. Cada professor que se aproxima de você com um frequencímetro ou com uma ficha impressa com seu treino, tem uma vida fora daquelas paredes. Como voce, tem desejos, necessidades, sonhos, ilusões, desilusões. Um “mundo” ali, diante da sua figura suada e exausta. Esta forma de enxergá-los os torna cúmplices dos nossos progressos e testemunhas das nossas superações. São, literalmente, parceiros, nas dores e nas alegrias.

Ainda da minha esteira, em dias de contemplação, vejo o “homem de meia idade”, com sua barriguinha teimosa, seus cabelos grisalhos ou a falta deles, a lançar sobre garotas “saradas”, mulheres maduras ou qualquer fêmea que passe pela sua frente, o mesmo olhar com que as águias enxergam suas presas. Muitos ficam por aí, outros vão adiante. Alguns, o sucesso não passa de um breve “papo de esteira". Raros conseguem chegar tão perto, ou porque a possível presa não está tão disponível como a águia imagina, ou porque a águia parece tão predadora que a afasta e a faz colocar em estado de alerta seus mecanismos de sobrevivência.

E as garotas, que mais parecem bonecas "Barbies”, de tão perfeitas e esculpidas que são? Seus tênis combinam com suas malhas, que combinam com os tops, que combinam com seus longos cabelos presos com xuxas ou fivelas também combinando com o resto do “modelito”.

Para um olhar aligeirado ou preconceituoso, aquela pessoa que ostenta um figurino, cujas “leis” estão longe de ferir qualquer cartilha “fashionista”, não passa de uma “perua”. Não tem um companheiro e filhos seriam um estorvo! Não estudam, alimentam-se de pílulas de proteína e mal respiram para que seus abdomens não percam a definição. Naquele momento devemos aprender a não julgar. Muito menos pelas aparências. Aquela “Barbie” tem um nome. Muitas vezes é casada e mãe de mais de um filho! Dedica-se, também, a uma profissão, estuda e “rala” como toda mulher na sua faixa etária. Sua perfeição é o resultado merecido de uma disciplina espartana que encontra brechas nos seus inúmeros afazeres para cuidar do corpo, impedindo-as de ficarem papeando e "parecerem" simpáticas.

E aquele garoto com músculos hipertrofiados e um crânio desproporcional em relação à largura dos seus ombros, carregando pesos que desfiguram seu semblante, tamanha a força que tem que mobilizar? Na verdade é um menino inseguro, até ontem franzino, cuja galera de “torados” são seus amigos e só lhe sobrava “àquela” mulher que ninguém queria.

Aquela senhora que vive lhe olhando insistentemente, um dia, timidamente, chega até você e pergunta-lhe há quanto tempo “faz exercícios”. Quando você diz “quase durante toda sua vida”, a admiração que brilhava em seu olhar nubla-se de arrependimento das desculpas que deu a si mesma para não freqüentar academias. Por ter achado que ser mãe é desistir de ficar bonita e ser mulher. Lembra-se com raiva do cansaço que a esmagava quando chegava do trabalho e só lhe restavam forças para supervisionar as tarefas escolares dos filhos e esquentar o jantar do marido. Esta não fazia recreação na escola quando ficava menstruada. Ia munida de um Atestado Médico e com “cara de cólica”. Hoje, com mais de 50 anos, o colesterol, a artrose ou o divórcio levou-a ao lugar que deveria ter sido freqüentado a despeito das circunstâncias.

São muitos os “mundos” e milhares as histórias que convivem, e às vezes se entrelaçam, numa academia de musculação, como são múltiplas suas funções.

Não raro, percebo olhares perdidos ou refletidos nos espelhos, surpresos e reconhecendo-se, como se há algum tempo não olhassem para dentro de si. Assim como existem aqueles que só conseguem se enxergar do pescoço para baixo, são muitos que se olham nos olhos, como se, naqueles breves momentos, buscassem dentro de si, os motivos de estarem ali. Os porquês de suas rugas cada vez mais profundas e suas olheiras, surpreendentemente, mais pigmentadas. Quem sabe, são pessoas que só ali encontram a única chance de uma palavra amiga, um elogio, um sorriso, um momento descontraído do seu dia.

Há mais que músculos ou vaidades exacerbadas naquele lugar. Muitos, equivocadamente, acreditam serem Templos de Futilidade e culto ao corpo.

Cuidar do corpo com equilíbrio e contentamento, não é nenhum pecado, é sintoma de Saúde Mental.

Alice Rossini

3 comentários:

Unknown disse...

meu bem, vc está cada vez melhor!!!
rapidinho...
bjs,
selene

Anônimo disse...

PUXA!! VOCE PEGOU PESADO COM OS COROAS!!! IMPOSSIVEL NÃO OLHAR! VOCE, POR EXEMPLO, ALEM DE LINDA AGORA DESCUBRO Q É TB INTELIGENTE! SO FICANDO CEGO E SURDO. E EU AINDA TENHO CABELO!RS

Anônimo disse...

Alice,

Sou da academia e achei que voce soube identificar, com muita sensibilidade, todos os "tipos" de pessoas que passam por lá. Adorei e seu texto faz com que a gente se veja ladentro. Mas tem algumas partes que eu "ainda" nem tinha me dado conta! Danadinha, voce,heim menina?!

Parabens! vou colocar anonimo, porque, dinte do seu texto, fico com vergonha se estiver falando bobagens...rsrs Voce vai longe!