quarta-feira, 3 de junho de 2009

ESCUTA ZÉ NINGUEM

Prometi a mim mesma nunca mais falar sobre isso, desde que comecei, de fato, a tentar descobri que havia vida também fora do meu mundinho de esquerda, adotado desde a década de 1970. Sei lá o que me impele a fazê-lo agora...Talvez os 19 graus do Rio de Janeiro, o frio matinal, o outono, a mediocridade dos dias infindáveis.

Eu não sou mais do PT, mas já votei até em armário do PT, nunca mais votarei no PT e não me decepcionei com o PT -- me decepcionei com a humanidade. A esquerda explicou muito (historicamente) seus erros passados e as traições.Já me criei na esquerda sabendo que a Revolução Russa tinha dado errado. Já entrei dicutindo que a Alemanha Oriental tinha se desencaminhado e que a própria Cuba não era um bom exemplo.

Hoje, desconfio que a esquerda esqueceu, de novo, por pura distração, de reler os seus melhores, caso do doutor Wilhelm Reich, que nos explicou brilhantemente que jamais criaríamos o homem novo desse barro neurótico que aí está. Ainda dá para lê-lo em "Escuta Zé Ninguém"; "Cem Flores para Wilhelm Reich" ou "O Assassinato de Cristo".Dá para ler Bakunin e descobrir, através do velha e gostosa anarquia, que não viria nada de bom através dos métodos e preconceitos do velho Marx. Que não gostava do seu genro cubano, Paul Lafargue, porque o acreditava negro. Lafargue é autor do brilhante "Pelo Direito a Preguiça", livro que provavelmente influenciou o Marcio Pochmann, de quem gosto muito, a preconizar a jornada de trabalho semanal de 12 horas. Louvado seja Pochmann.

Tinha mandado um comentário sobre o assunto para o Marco Rossini, tentando compartilhar a compreensão de que vivíamos no Brasil uma democracia capenga, porque não republicana. Numa democracia assim, republicana, não se criam ACMs, que se apropriam do Estado como coisa sua. Nem seus filhos que, por acaso, estudaram comigo no Severino Vieira.

Mas, por conta de nossa origem de país-empresa (já que nascemos para ser mero entreposto de Portugal), mantemos há mais de 500 anos as características do lugar dos "você sabe com quem está falando?", periférico, subdesenvolvido e piorado pela destruição neoliberal, que não privatizou as empresas: as deu graciosamente aos novos donos das capitanias hereditárias. São como diz o embaixador Samuel Pinheiro "500 anos de Periferia" do mundo.

Um país desse tipo, para evitar o surgimento de grandes rebeldias, pde vez em quando agrega personagens antes rejeitados. E os agrega, com alegria, quando eles traem os seus.

Dessa vez, agregaram Lula e sua gente. E com enorme alegria nos corações, porque Lula traiu o povo. Traiu a mim também. Ele apareceu quando o País estava decidido a criar uma Nação. Todos nós, do PT, acreditamos que estava ali o que precisávamos-- não era nossa guia, nem mestre, nem profeta. Era o personagem da história, que vinha do povo criado acidentalmente, que o Brasil precisava para se constituir em Nação. Como diz o César Benjamin, meu mestre e amigo querido, a crise brasileira não é econômica. É de destino da sociedade, de um povo que não estava previsto para existir. Hoje, ou o Brasil se "reafirma como uma empresa, a custo de um genocídio (o que já ocorre nas favelas) ou como uma Nação". Quem poderia fazê-lo foi tratado generosamente pelo povo brasileiro, conduzido até Brasília. Mas preferiu trair o povo.

O PT fez uma longa caminhada em direção à mediocridade. Desvio coletivo? Desvio só explicável pela psicologia comportamental? Não sei. Compreendê-lo é uma tarefa aquém de minhas forças. Só sei que a maioria aderiu alegremente. E uma minoria disse não. Alguns talvez só porque não tenham sido convidados para o banquete. Outros, sabe-se lá os motivos, talvez origens arraigadamente cristãs ou só vergonha na cara mesmo ou princípios. Não sei, sinceramente, porque optei por não trair.

Repito: não só votei, como ajudei a fundar o PT, sou fundadora da 19ª Zona Eleitoral (do PT) e de vários núcleos de organização e discussão, desde o de jornalistas até de metalúrgicos e favelas. Por ter estudado, apesar de origem pobre dos que não tinham nome para se apresentar, eu fazia parte talvez da ala mais organizada e mais informada de um povo que queria fundar uma Nação, no qual jamais haveria espaço, de novo, para "você sabe com quem está falando?" ou negociatas entre amigos para construir até mesmo um mero muro de praça ou as grades da pobreza que cercam as nossas outroras belas praças.

Deu tudo errado. Hoje, me dedico a tentar entender tudo isso, através dos belos livros da Contraponto Editora, do Chico de Oliveira, de Fernando Pessoa, de Reich. E sei que jamais ouvirei nossas mais belas canções cantadas de novo enquanto eu viver. Azar o meu. Mas volto a dizer: apesar da derrota, foram nossas as mais belas canções.



Desconfio de que desistimos de ser uma Nação.


ROSE BAIANA - jornalista

5 comentários:

Anônimo disse...

Orgulhoso Dona Rose

Apesar de seus comentarios injustos sobre o meu texto "Cuidado com o Vizinho", no qual fui alvo de seus ataques despiedados, agressivos e ate certo ponto insultantes, mas ja devidamente esquecidos, voce me acaba de encher de orgulho.
Com o seu texto preciso e claro, admitiu publicamente, que a “esquerda” que esta no poder populisticamente em nosso Pais nao so e de araque, como visa os mesmos interesses nefastos da direita a quem substituiu. Pois saiba que esse processo e extensivo a toda America Latina. A ordem geral parece ser; “Uma vez no poder, vamos aproveitar enquanto podemos”!
Assim como voce escreve com percisão porque esta respaldada tanto pela verdade como por um sentimento de propriedade por suas acções do passado, eu falo por experiencia de convivio diario “in loco”.

Nada enaltece mais o Ser Humano do que assumir suas desilusões, suas falhas e seus erros. Seu desabafo Rose, esta absolutamente bem colocado, é sincero, direto, intenso e muito menos desesperançoso do que o de meu Amigo Marcos.
Sera muito mais facil convence-la de que nem tudo esta perdido do que a ele.

Quanto a mim, seguirei de lampiao em punho, tentando destapar e buscando mentiras, tramoias e papeis mal interpretados por avarentos, egoistas e “espertos” que, como todos nos neste Pais tao lindo, utilizam a palavra “negocio” com um espectro tao gigantesco.

O Orgulho a que me refiro no primeiro paragrafo se refere a sua capacidade de recapacitar e nao ter tido medo de renegar tres vezes os que a trairam.
E, o galo nem chegou a cantar uma vez, quanto mais 3!

E por estas e outras, e textos como o seu, que eu nao perco a Esperança

Parabens Dona Rose, e obrigado por seu texto

Fernando Rodrigues

Rose Bahiana disse...

Patético eu mesma me comentando.Peço desculpas se fui ofensiva: é que me acostumei a dizer o que penso (pelo menos, em termos políticos) e de certa forma tambem me senti atingida.Afinal, você não deixou nada em pé....e detonou pela direita (detonou nossas canções e delas não abro mão). Estive na Venezuela antes de Chávez em 92, logo depois de uma ditadura. O que vi não gostei. O que sei agora me dá algumas esperanças...
Também não estive lá, mas o que sei do governo do Evo Indio, gosto muito -- mais do que o da Venezuela.E acho qeu Evo não é Lula, até porque seu vice, o Linero, não é José de Alencar. Cuidado para não confundi governo popular com populista. Sempre que ficar tentado a fazê-lo, se pergunte: Allende era popular ou populista? Era popular e foi derrubado.
abraços e desculpe.É que a esquerda pode ter perdido a pose, mas não perde a mania de se achar dona da verdade.Deveria ter rebatido de outra forma,
Rose Bahiana

Rose Bahiana disse...

Porém, veja uma coisa, Fernando: por mais que ache que Lula traiu, por mais que acredite que ele presta um desserviço enorme até quando fala besteira, tipo "um país que acha petróleo a 6 metros, acha avião" e etc...(torna o povo mais medíocre --insuportável todo mundo chamar todo mundo de tio -- e pequeno), por mais que não vote nele esse governo é um "pouquito" melhor do que o anterior no quesito compra e venda: já tinha dado tempo do anterior vender até a mãe.
E talvez fosse melhor você falar do que acontece aí na sua experiência do que simplesmente desqualificar a Revolução Russa e os outros governos da América Latina. O Rafael Caldeira, do Equador, parece ser sério.Esses caras todos vem depois da onda neoliberal.O povo pediu outra coisa. Os enganadores não vão durar muito tempo.Amém.Até aqui só ví críticas a Chávez pela direita. E vi, ou ouvi, a direita tentar derrubá-lo.E o povo tirá-lo da cadeia.Enfim, precisava saber mais.

Anônimo disse...

Rose

Ha muita coisa sobre a revolucao bolivariana que necessita de bastante espaco para lhe ser reportada. Eu vivi na Venezuela desde 1989 ate 1998, sai, fui para a Libia e retornei a Venezuela em 2005, onde estou ate hoje.
A “coisa real” e tao diferente que voce fica sem parametros de comparacao entre EVO ou Rafael, versos HC. O ultimo e militar, e como tal e mandao, despota e muito, mas muito malandro. Exibe, e carga uma habilidade com a Imprensa so comparavel a Bill Clintos, e mesmo assim Clinton fica curto!
Como dizia o verso da cancao. As coisas daqui nao sao como ai...

Quero tambem aproveitar para concordar com voce de que o nosso actual Governo e muito mais claro nos negocios Internacionais e na seriedade com que se propoe a "abrir" a economia, do que foram os Governos anteriores.. O problema do Governo Lula nao e sua politica externa. Ai estamos muitissimo bem. O nosso problema e interno, onde a nossa cultura do "negocio" e do " sabe com quem esta falando" so encontra par nesta nossa falta de habilidade e voluntariedade em diminuir as diferencas sociais.
Por isso eu digo que nao sei se este nosso governo e social-capitalista ou capital-socialista. Vou ter que me reunir com Joazinho Caminhante durante varias horas para me ajudar a pensar sobre isso!

Fernando

Selene May disse...

menina, não apenas dou valor.
reconheço o enorme valor.mas continuo pensando
q fica muito difícil criar flores no pântano...
não apenas os nosso representantes, o nosso
povinho também é uma merda...