domingo, 7 de junho de 2009

“TE ACEITO COMO ÉS”


A novela Caminho das Índias tem mostrado o quanto o mundo é diverso..

Não são poucas as oportunidades em que se evidenciam comportamentos impregnados de tolerância e de estranhamento, tanto em frente às telas quanto através delas.

As diferenças entre Ocidente e Oriente, nem precisaria registrar, são tão profundas quanto difícil nossa capacidade de entendê-las.

A Índia que a Globo nos mostra está longe da Índia real. Portanto, também não me cabe mostrar a realidade nem vou aqui fazer um paralelo entre as duas culturas. Vou ater-me a alguns aspectos, que a novela, uma obra ficcional, achou por bem enfatizar.

As diferentes formas de encarar a instituição familiar e os rituais necessários à sua formação e manutenção são um desses aspectos que chamam minha atenção e onde sinto o quanto somos diferentes.

Os casamentos, em que pese o atraso da falta de liberdade do lado de lá - o amor não é motivo suficientemente forte para transpor diferenças sociais - apesar de “arranjados” pelas famílias, são rituais complexos e ricos em significados. Encarados como um dos momentos mais importantes da vida de um ser humano, portanto, compatível com a importância que a referida cultura empresta ao conceito de família.

É bom registrar, com base em estatísticas, que casar-se por amor, não garante longevidade ao casamento, embora ajude, e muito! Também não podemos ignorar a relevância da liberdade, direito inalienável, que todos os seres, orientais e ocidentais devem possuir, quando se trata de fazer escolhas que determinem seus destinos. Isto, em todos os aspectos da vida.

Numa sociedade dividida em castas, em que uns são considerados puros e outros impuros, a restrição deste direito nem causa estranhamento. Como numa sociedade espiritualizada, as diferenças econômicas também deveriam ser motivo de questionamentos, embora, quem lá esteve, é unânime em dizer que a lógica indiana é diferente da vigente no resto do planeta. Vá lá...

Funciona com a mesma falta de lógica existente no tráfego das ruas, onde a diversidade de meios de transporte e de direções convive harmoniosamente, num caos organizado, mas, para eles, perfeitamente lógico e previsível.

Na cerimônia de casamento de Camila e Ravih, duas personagens que conseguiram burlar os costumes locais, uma frase, particularmente, chamou minha atenção: ”Eu te aceito como és”. Nas cerimônias ocidentais, pelo menos as realizadas nos templos católicos, as juras referem-se à fidelidade, ao companheirismo e à solidariedade nas dores e nas alegrias. Tudo certo e apropriado.

Sabemos que ser fiel é difícil. Jurar sê-lo é fácil e já é um bom começo.

Ser solidário é obrigação. O juramento poderia até ser desnecessário, pois se solidariedade é condição fundamental para quem convive, imaginem para quem diz amar.

Entretanto, não vamos polemizar nem questionar a liturgia do ritual, embora, na nossa cultura, a firmeza e o cumprimento das juras nem sempre atendem às necessidades do amor. Até porque, não temos nenhuma garantia de que os casamentos no Ocidente têm como única motivação o amor. A liberdade abre um “leque” de opções tão variado, que permite e acolhe uma infinidade de motivações que nos levam a escolher um companheiro.

Voltando à frase que além de chamar minha atenção me emocionou, aceitar o outro a quem não escolheu, é, antes de qualquer coisa, uma mostra de coerência: “Se eu não te escolhi e tenho que te aturar, só me resta te aceitar como és”

Mais ainda, aceitar o outro como é consiste na maior prova de amor que um ser humano pode dar à outro. Escolhendo-o ou não. Poderia substituir todas as juras que fazemos do lado de cá, raramente cumpridas.

Se aceitássemos nossos companheiros como são, respeitando-lhes a individualidade, as modificações impostas pelo tempo e a forma diferenciada que cada um absorve as circunstâncias e os fatos que a vida impõe, talvez fizesse mais sentido a liberdade, que faz parte dos nossos costumes, de escolhermos quem, a princípio, dividirá conosco o resto das nossas vidas.

ALICE ROSSINI

7 comentários:

Izabel disse...

Alice,
Amei seu texto!
Tenho feito um exercício contínuo em minha vida! Hoje não penso mais que somos seres diferentes e sim “diversos”. E é nesta diversidade que se da à complementaridade. Como é difícil este exercício... Perceber não as diferenças antagônicas, mas a diversidade complementar.
Já que – somos seres geneticamente sociais, segundo Wallon, devemos buscar entender o outro, nas suas diversidades e necessidades.

Um beijo,
Bel

Anônimo disse...

ESSES OLHINHOS VÈM COISAS QUE NINGUEM VÊ.

ADOREI!

Mariana disse...

Alice,

É o olhar sobre detalhes como estes, que dividem as pessoas em pessoas que enxergam e pessoas que vêm. As que enxerga, refletem e quando têm talento, registram e compartilham.

Lindo e dá margens a muita elocubração

beijos

carlos pato disse...

danadinha você, heim?
você consegue futucar o olhinho da ferida. rsrsrsrs
muito bom

Anônimo disse...

Alice

Aplausos, aplausos e mais aplausos.
Eta baixinha retada!
Empresta-me a lupa com que detectas esses detalhes tao importantes e absolutamente fundamentais.

Fernando

Vitória Régia disse...

Alice,

Quanta sensibilidade! Enquanto muitos estavam criticando a Globo por nos proteger de ver os cadáveres do Ganges, a proposta da novela é outra, é contar uma história, voce consegue enxergar o detalhe do detalhe de uma diferença, numa frase que diz tanto: "te aceito como és" em contraponto com juras de fidelidade de muitos casais que ja unem-se ja tendo traido no dia anterior.

Tudo bem, vivemos no mundo de "gente grande" mas alguem precisa dizer "isto"

Brilhante!

Selene May disse...

e, meu bem, até que a vida os separe...

bjss