o cotidiano e suas contradições, descrito e compartilhado - Blog inaugurado em 18 de fevereiro de 2 009 - ANO VIII
segunda-feira, 29 de junho de 2009
O SOM DO SILÊNCIO
Ruídos dos meus pensamentos sussurram que o silêncio não existe.
Não estou me referindo ao silêncio como oposição ao ruído. Refiro-me ao silêncio que fala, comunica, tem sons, alegra, magoa, aprova, pacifica, permite, seduz, abandona violenta, liberta, aprisiona.
Sou minha própria referência. Quando ouço um ”psiu”, implícito ou explícito, aumentam os ruídos da minha mente.
Na natureza o silêncio significa apenas nossa limitação auditiva de “ouvir” os sons que, certamente, dela emanam. O Cosmos não é silencioso. Segundo os místicos tem um som. Transformaram este som silencioso num mantra, a quem conferem poderes infinitos. Quando entoado em determinada vibração, transpõe distâncias e transforma a energia do Planeta: è o OM ou o UOM, como é pronunciado. Este som presumido tem o poder de aplacar e domar os ruídos das nossas mentes. Já verifiquei pessoalmente.
O silêncio que parece existir nos templos, nos mosteiros ou nos claustros é carregado de sentidos pelos quais os homens tentam uma comunicação com o Divino. E nesta comunicação invocam misericórdia e compreensão. Redimem-se do que acham, foi pecado, agradecem o que acham, foi doado, pedem o que acham, merecem.
Imaginem os ruídos que esta “agonia” e esta inquietação provocam, a ponto de desviarem suas atenções dos ruídos da vida real e sentirem-se submersos no silêncio que acham, mora atrás dos muros que se erguem, afastando-os do mundo.
Cachorros latem, rosnam, uivam, pássaros cantam e alguns homens também, gatos miam e ronronam, pintos piam, galinhas cocoricam. As baleias? As baleias lançam sons lancinantes que comovem a todos. Os golfinhos! Estes quase que falam e sorriem. Enfim, todas as espécies se comunicam. Através dos sons e dos gestos.
O mar. O som do mar é tão belo e balouçante, que acalma, tranqüiliza. Às vezes amedronta. A chuva quando cai também “fala” uma linguagem que convida ao aconchego e ao recolhimento. Às vezes, é precedida dos roncos dos trovões que os povos da mata acham que é a voz de Deus. Se Ele é tudo, então é mesmo a voz dele que, de vez em quando, fala forte e grosso.
Quando as nuvens sobrecarregadas precipitam-se sobre a terra, ainda a instigam a exalar seu cheiro, que não raro, nos provoca nostalgia, quebrando o silêncio que achamos, acompanha nossas lembranças. Repentina ou mansamente, falamos com uma lágrima, com a tristeza e a saudade que moram nos nossos olhos. O som das lágrimas, por mais discretas que tentem ser, são os soluços, ou os gemidos dolorosos, os suspiros...
Nós humanos, por mais silentes que possamos parecer, sempre estamos emitindo mensagens. Dotados de raciocínio, encontramos uma infinidade de formas de burlar o presumido silêncio.
Quando não escrevemos nem cantamos, tocamos, esculpimos, desenhamos ou pintamos. Nossos corpos ganham leveza e dançamos.
Se não temos o privilégio dessas expressões, usamos então nossos corpos com todos os seus simples e definitivos gestos, que vão do acolhimento à indiferença e à violência em todas as suas nuances.
Nossa mais poderosa forma de quebrar os “silêncios”, os impostos ou os assumidos, é o nosso olhar. Através deles dizemos tudo ou nada, e nada pode ter tantos significados. Dizemos amar e admirar. Mostramos nosso espanto, nossa ira, nossa inveja. Nossos desejos mais recônditos, nosso amor mais proibido. Nossa ternura materna. Nossa indiferença e nosso interesse. Nossa loucura ou nossa sanidade. Nossa luxúria ou nossa inocência. Nossa solidão, nossa saudade, nosso vazio. Nossa arrogância, nossa humildade, nossa inquietação ou nossa resignação.
Nossa vontade de viver ou de morrer.
ALICE ROSSINI
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 comentários:
Alice,
Pensei que o próximo texto fosse sobre Michel Jackson, a morte da Pantera, ou outro assunto que o mundo comenta. Voce, com seus textos que nascem da sua emoção, da sua alma me faz entender um pouco o sentido da sua proposta para seu Blog e me ensina um pouco sobre liberdade de falar o que sente, o que reflete. Voce não é um "diario de notícias". Voce é um diário das "suas" notícias. Esta é uma forma de sentir-se livre.
Emocionante e poética suas reflexões sobre o Silencio. Não é que voce "descobriu" que ele não existe?
Mais uma vez voce me surpeendeu.
beijos
Alice,
Lindo texto! Quanta sensibilidade e criatividade perceber o silencio desta forma.
Lindo, lindo!
QUE CABEÇA HEIN? QUEM LHE VÊ SEMPRE SORRINDO E BRINCANDO, NÃO IMAGINA O QUE SE PASSA NESSA CABECINHA. ISSO É ENCANTADOR.
ACHO QUE VOCE ESTA CRIANDO UM GÊNERO LITERÁRIO NOVO. NÃO SEI O NOME. MAS MISTURA PROSA E POESIA.
DUVIDO QUE NÃO TENHA NENHUMA
Lindo, emocionante, diferente! Nunca imaginei o silencio dessa forma!
Parabens!
Alice,
Voce deve achar que sou louca, postando dois comentários. Minha irmã, que quer ficar anônima, me forçou a postar o comentário em meu nome. Não era mais fácil ficar anônima? Depois diz que a louca da familia sou eu! rsrs (Vitória)
Alice
Poesia em forma de prosa, prosa em forma de canto. Um canto nostalgico, relaxante e intimista.
Mais uma vez voce superou as nossas expectativas.
Lindo
Fernando
Lindo mesmo! Acho que além de tudo voce é poeta! Adorei, li e reli váarias vezes.
Sua cara!
BJ
Antinha
Voce está cada dia melhor, muito lindo o "Som do silêncio", bastante profundo.
Alice,
Amei o seu texto... Poucas são as pessoas que conseguem ouvir os “sons inaudíveis”... Inaudíveis só para os que não sabem, não querem escutar. Estes são os verdadeiros SONS que transformam!
Escrevi certa vez um poema – SER SILENTE, que tem uma estrofe assim:
O Silêncio!
Que fala... Grita... Clama... Canta...
Uma melodia audível para a alma
Transformando esta intimidade
Em uma doce confissão...
Bjsss,
Bel
Postar um comentário